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Baía de Lagos é balizada pela Ponta do Altar, a nascente, e pela Ponta da Piedade, a poente. Para norte, estende-se em anfiteatro um território delimitado pelas serras de Monchique e de Espinhaço de Cão e sulcado por ribeiras que descem para o mar. As diversas unidades paisagísticas, alteradas ao longo do tempo pelas mudanças climáticas e pela ação dos homens, emolduraram aqui diferentes comunidades humanas, cuja atividade deixou numerosos vestígios materiais, que, até aos dias de hoje, subsistiram sob forma de ruínas, materiais dispersos e depósitos sedimentares de origem sociocultural.
Sem que, até agora, se tenha descoberto nenhum sítio com ocupação inequivocamente atribuível ao Paleolítico Inferior, os mais antigos vestígios da presença humana no território de Lagos atribuem-se ao Paleolítico Médio (entre há ca. 250000 a 25000 anos atrás), geralmente identificado com a presença do Homem de Neandertal.
Do Paleolítico Superior (ca. 26000 a 12000 anos atrás), identificado com a presença do homem anatomicamente moderno, há vestígios em Espiche (Ferrel 1, Ferrel 2, Monte do Januário e Cruz de Pedra) e em Bensafrim (Gaspar de Cima).
Com o final da última glaciação, há cerca de 12000 anos atrás, houve um aquecimento global e o nível médio do mar começou a subir, fazendo recuar a linha de costa e estabilizando-se há só cerca de 6000 anos atrás. Neste contexto, correspondente ao Epipaleolítico e Mesolítico, não há, até à data, ocupações conhecidas no território de Lagos por parte de comunidades de caçadoresrecolectores, quiçá porque uma parte dos sítios tenham que ser procurados na plataforma litoral, debaixo do atual nível das águas do mar.
Há cerca de 7500 anos atrás, ocorrem no território de Lagos as mais antigas evidências de produção de instrumentos em sílex e de recipientes em cerâmica que se associam aos mais primitivos camponeses, pastores e agricultores. Ao longo do curso da Ribeira dos Touros, na área hoje ocupada pelo perímetro urbano da cidade de Lagos, os sítios de Motel de Santa Maria e da Praça de Armas, denunciam as estâncias de presumível curta duração, relacionadas com uma agricultura incipiente e possivelmente itinerante, aproveitando os solos arenosos com matriz pouco argilosa e, por isso, de mais fácil mobilização.
Admite-se que remontem aos inícios do Neolítico os conjuntos de megálitos não funerários (menires) distribuídos no território de Lagos, em agrupamentos que podem formar recintos.
Contudo, a sua execução e uso foi uma prática que perdurou até ao 3° milénio anterior à nossa era. Na área do município, foram identificados alguns destes agrupamentos, estando legalmente protegidos os de Cabeça do Rochedo (Portela do Padrão, Bensafrim) [cujo agrupamento provavelmente inclua os menires recolhidos em Colinas Verdes e Pinheiral (Colinas Verdes)], e tendo sido alvo de pesquisas o conjunto de Quinta da Queimada (Odiáxere). Outros locais onde foram identificados menires:
− Quinta do Menir (Odiáxere);
− Pedra Branca (Odiáxere);
− O conjunto de menires do Montinho da Rocha (Bensafrim) e Luz (Quinta do Formosinho ou Quintal do Ferrel);
− Monte do Castanheiro (Bensafrim).
Estes grupos iam fixando-se neste território, no Barrocal e nas margens da Baía de Lagos, aproveitando as enseadas interiores e os braços marinhos de Bensafrim, Odiáxere e Arão, resultantes da transgressão flandriana.
Com os recursos agrícolas, e nomeadamente a produção cerealífera, a constituírem um fator de estabilidade das comunidades, o povoamento estendeu-se a todo o Barrocal, com uma produção de base familiar, e intensificou-se a partir de finais do 4° milénio antes da era cristã.
Desde então, a ampla Baía de Lagos, aberta à navegação magrebina, foi frequentada pela comunidade mareante do Mediterrâneo. As profundas transformações ocorridas no modo de produção exigiram uma organização política formalizada, em que o poder passou a basear-se na autoridade patriarcal e no controlo alargado das forças produtivas, requerendo, assim, uma crescente centralização do poder em lugares hegemónicos, a partir dos quais se controlava a produção e o intercâmbio dos bens.
Nas férteis várzeas em redor da Baía de Lagos, testemunha-se a emergência das mais antigas sociedades politicamente organizadas. No vizinho município de Portimão, o sítio de Alcalar mostra a mais destacada concentração de templos funerários monumentais de caráter megalítico do Barlavento algarvio, conotados com um habitat de longa duração que, ao longo de cerca de oito séculos, foi provido de cercas e recintos com fossos e muralhas. Ali, estão presentes as matérias-primas e os artefactos de exceção com origem exógena e de uso socialmente restrito.
Na dependência deste centro de poder, estavam pequenos aglomerados de produtores, ocupados durante períodos mais ou menos curtos, alguns dos quais se localizaram na área do município de Lagos, como o sítio de Barradas (Odiáxere).
Com a localização das necrópoles da Idade do Bronze do Sudoeste na área do município, documenta-se a continuidade do povoamento no 2° milénio antes da nossa era, a par de uma crescente ocupação do hinterland Testemunham uma sociedade crescentemente hierarquizada e economicamente estratificada, que entra em contacto com os mercadores fenícios, como aqueles que, há 2 800 anos atrás, se estabeleceram no extremo ocidental da Baía de Lagos, na área ribeirinha do centro histórico da cidade.
Aos séculos VI e V, corresponde a necrópole de Fonte Velha (Bensafrim) e as esteias com escrita «cinética» próprias de uma sociedade guerreira, onde a escrita foi a expressão de poder das suas elites. Desconhecem-se, até à data, os habitats deste período. Na Quinta da Queimada (Odiáxere), localizou-se uma necrópole de incineração, com cerâmica ática (grega), datada do século IV a.C. e correspondente à chamada 2a Idade do Ferro. Neste período, na segunda metade do 1° milénio antes da nossa era, o povoamento da Baía de Lagos aparece polarizado em torno de sítios com funções centrais, o Cerro da Rocha Branca, no município de Silves; Ferragudo e a Vila Velha de Alvor, no vizinho município de Portimão; e o Monte Molião, sobranceiro à atual cidade de Lagos na margem oposta da Ribeira de Bensafrim. Este oppidum de época cartaginesa, fundado no século IV antes da nossa era, subsistiu após a ocupação romana do extremo Sul da Lusitânia e foi objeto de diversas alterações urbanísticas até ao seu definitivo abandono, no século II da era cristã. Para os romanos, a região do extremo Barlavento algarvio era conhecida como Promunturium Sacrum e é nela que Pompónio Mela, na sua Corografia, de cerca de 41 da nossa era, situa as povoações marítimas de Laccobriga e de Portos Hannibalis.
Há bons argumentos para fazer corresponder a essa Laccobriga elencada por Mela o aglomerado populacional de Monte Molião, que terá disputado com Cilpes-Silves (onde se localiza um centro de cunhagem de moeda) as funções de capitalidade de uma suposta civitas do Alto Império no Barlavento algarvio.
Logo nos inícios da era, começa a ser ocupada, no troço final da margem direita da Ribeira de Bensafrim uma área hoje abarcada pelo centro histórico da cidade de Lagos, situada entre as ribeiras dos Touros e das Naus, em torno de uma enseada abrigada entre penhascos. Até ao século VII, esta Laccobriga manteve-se como povoação de escassa relevância política ou administrativa no quadro do império romano. Contudo, nela se constituiu um importante complexo fabril ligado ao mar, com uma relevante produção de preparados piscícolas, testemunhada pelos numerosos conjuntos de oficinas com lagariças de salga e produção de derivados do pescado.
Este modelo de aglomerado industrial repete-se nas angras entre Lagos e o Cabo de São Vicente, onde se instalam diversos aglomerados populacionais cuja principal atividade é a produção de derivados do pescado – atividade favorecida por um mar rico em peixe, muitos dias de sol e intensa produção de sal. Na área do município, a vila da Luz é outra importante povoação com estas características.
Em complemento deste sistema produtivo, diversas villae rústicas, como as de Meia Praia, São Pedro do Pulgão (Lagos), Portela do Padrão (Bensafrim) testemunham a importância de uma produção agrícola que se prolonga por toda a Antiguidade Tardia, cujo vinho, azeite, cereais, frutos de sequeiro e carne se destinavam, basicamente, ao consumo regional.
Há 1200 anos atrás, quando, na época islâmica, Xelb-Silves se assume capital de um território com fortes tradições religiosas enquadrado pela Serra de Monchique (o Mons Sacrum dos romanos) e pelo importante centro de peregrinação da Igreja do Corvo (no planalto vicentino), onde estavam depositadas as relíquias do mártir São Vicente, o mais significativo santo moçárabe, nota-se um incremento na produção agrícola, relacionável com os melhoramentos tecnológicos então introduzidos, designadamente a irrigação das hortas com inovadores sistemas de elevação de água.
Há 800 anos atrás, com a ocupação do território pelos cristãos do Norte, primeiro, fugazmente, nos dois anos que se seguiram a 1189, depois, de modo definitivo, a partir de 1240, este modo de vida não terá sofrido grandes alterações. A par das beneficiações na horticultura, o desenvolvimento da produção cerealífera conduz a uma proliferação dos moinhos de água na área do Paul, e as lagaretas espalhadas por toda a área do município dão testemunho da produção de azeite e vinho. O alfoz (território) de Lagos produzia pescado nas almadravas, sal, vinho e frescos nas hortas do Paul, trigo, figo e amêndoas.
Há 600 anos atrás, nos finais da Idade Média, mercê das suas boas condições portuárias e da sua localização próxima do extremo sudoeste europeu, o protagonismo na Baía era partilhado pelas povoações de Lagos e Alvor. A Cristandade cobiçava então as riquezas que vinham do Sul, especialmente o ouro. No entanto, as rotas caravaneiras estavam nas mãos dos inimigos muçulmanos e os medos ao oceano inibiam os mareantes. Conquistada Ceuta em 1415, Lagos começou a converter-se na mais importante praça de guerra de apoio ao Norte de África e de combate ao corso muçulmano, e, com o tempo, tornou-se no grande porto comercial do extremo Sudoeste peninsular.
Plano Diretor Municipal de Lagos; Lagos na História – Breves Apontamentos, pag. 88
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