Description
Você entra na área do Rio Alvor nasce na Serra de Monchique no Monte da Fóia , tem um percurso de 18 quilómetros e é alimentado por várias ribeiras que lhe aumentam o caudal, dispersando-se por uma vasta zona húmida. A sua foz situa-se a meio da baía de Lagos dividindo-a em duas grandes praias: a Meia Praia e a Praia de Alvor. A zona lagunar é extensa e rica em sapais e marismas propiciando a existência de uma cadeia alimentar que pode, facilmente, entrar em decadência mercê de poderosas e inconscientes agressões humanas ao ambiente.
Este sistema biológico integra três importantes linhas de água: Ribeira de Bensafrim, Rio Alvor e Rio Arade, cujas fozes contribuíram durante séculos para a riqueza de diversas espécies piscícolas que povoaram a Baía de Lagos, situação, hoje, em ruína quer devido às agressões ambientais quer devido à intensa captura de espécies, resultante de actividades piscatórias descontroladas e ilegais.
A “ria de Alvor” foi um lugar privilegiado para criação de moluscos bivalves e, como todos os rios, um lugar de nidificação e protecção de juvenis de variadas espécies.
Diz-nos a História que todos os povos que por aqui passaram fizeram largo uso dos mariscos na sua alimentação. O Infante D. Henrique, dono e senhor das pescarias de Lagos, fez doação testamental ao seu sobrinho/neto, filho de D. Afonso V, do rendimento das pescarias das corvinas de Lagos e Alvor (in D. Henrique, de Carlos Selvagem).
A ligação entre Lagos e Alvor era feita por um caminho, fronteira frágil entre o campo e o areal, tal como é assinalado num mapa de 1791, embora se lhe encontre referência muito antes, pois em 1451 D. Afonso V fez doação a Álvaro de Athaíde, entre outras benesses, da barca da passagem. Doação repetida, em 1676 por uma princesa D. Mariana, ao Duque de Cadaval (in Monografia de Alvor). Assim, se dá nota da importância do tráfego de pessoas e mercadorias que atravessavam o rio. Porém, o lugar de destaque na vida deste rio sempre coube ao marisco: em 1868, para aperfeiçoamento da cultura das ostras curava-se de promover ostreiras artificiais em enseadas e rios, que eram propriedade do Estado. A apanha das ostras naturais decorria entre 1 de Abril e 31 de Agosto. O Marquês de Niza foi um dos vários interessados nesta exploração, tendo obtido concessão régia para a costa algarvia, de Lagos à foz do Guadiana –Portarias 10/10/1869; 26/1 e 21/3 de 1870. Em 1898 o Ministro Eduardo Vilaça providenciou a criação de ostras na costa do Algarve, autorizando Roberto Rubens Gabriel de Carvalho a montar estabelecimento ostreícola na ria de Alvor, para criação e engorda de ostras francesas. Os Diários do Governo de 29/07/1899 e de 02/01/1900 estabeleceram que a apanha das amêijoas fosse livre em todos os portos da costa, ressalvando o período de 1 de Maio a 31 de Agosto. (in História de Portugal – Ed. Verbo – Joaquim Veríssimo Serrão).
Esta medida de protecção governamental terá tido origem, segundo se diz, por o marisco estar no período da desova. Durante muitos anos esta decisão fixou na mente das pessoas que era nocivo comer marisco nos meses que não tivessem a letra “R”, por estar choco.
No ano de 1939, uma fábrica de conservas de peixe, de Lagos, a Sociedade de Conservas Aldite, fabricou e exportou apreciável quantidade de berbigão em conserva para países de origem hispânica, com respectivo rótulo em castelhano “berberechos”. Pensa-se que a qualidade tenha contribuído para o enorme sucesso, embora a mão-de-obra pesasse bastante no custo de produção.
Não há ainda muitos anos recebeu o Rio Alvor considerável quantidade de ostras de viveiros, vindas de outros pontos do país, para se proceder, por meios naturais à sua depuração.
Temos de evidenciar que o consumo de mariscos sempre foi um importante complemento na alimentação de ricos e pobres, entrando na confecção de variadas refeições, das mais modestas às mais requintadas da cozinha portuguesa. Tal facto está documentado em numerosos manuais de gastronomia.
É lamentável que esta riqueza seja posta em causa por actos de agressão ambiental que vão, insidiosamente, destruindo o ecossistema e estas actividades económicas que foram, outrora, grandes fontes de rendimento. Um olhar para o que se passa noutros países deveria servir-nos de exemplo e despertar-nos para a realidade.
Os importantes cursos de água que desaguam na nossa baía não têm escapado a esses atentados ambientais. No Rio Alvor foi a ocupação turística sem adequadas infra-estruturas de saneamento, a instalação de lavadorias com emissão de efluentes de elevado teor alcalino e outras fontes poluidoras que deram origem a grandes estragos nos viveiros de bivalves.
A protecção ambiental deve fundamentar-se em regras ecológicas que garantam o combate eficaz à contaminação da água por excesso de matérias orgânicas e/ou poluentes químicos. Lembramos uma lição elementar de Ecologia: o fornecimento de oxigénio aos mares é feito numa acção conjunta entre a pressão atmosférica, a ondulação provocada pelos ventos e as correntes oceânicas e pelo ciclo de vida das plantas aquáticas e subaquáticas. Assim, é vulgar verificar-se em águas paradas, com leitos saturados de matéria orgânica, a libertação de bolhas de gases (metano), tal é observável em pântanos e marinas de águas paradas ou em que quase não existem correntes. Também os materiais oleosos impedem o contacto e a interacção entre a superfície aquática e o meio aéreo, impossibilitando a vital oxigenação. Algumas espécies piscícolas especializaram-se na limpeza da superfície mas, nem as eficientes tainhas conseguem dar conta do recado pois a sua acção centra-se apenas sobre as matérias naturais e não as de origem mineral. Sabores estranhos, denunciam a extensão do ciclo poluidor, retirando algumas espécies da ementa tradicional e lançando a suspeição sobre outras.
Nas margens do Rio Alvor existiram muitas marinhas de sal, em tempo em que as águas límpidas o permitiram. Também as houve em Lagos mas a sua produção nunca foi suficiente para as necessidades da salga de peixe, pelo que se recorria a Alvor.
A importância do sal, como grande conservante de alimentos, levou à criação régia das Casas do Sal, privilégio do foro estatal.
Ainda acerca do Rio Alvor, podemos observar que a água do mar -depurada pelos meios naturais- ao subir rio acima (acção da maré), vai regenerar toda a cadeia alimentar numa verdadeira renovação da vida.
Antes das construções dos actuais molhes do Rio de Alvor -cuja orientação tem sido contestada- a entrada estava na contingência de fechar pois na maré baixa a travessia já quase se fazia a pé. Assim, duma laguna passaria a lagoa com todos os inconvenientes. Era, pois, uma obra premente.
Recentemente, os municípios de Lagos e Portimão celebraram um protocolo para a preservação do sistema do Rio Alvor, essa mais valia ambiental que se deseja constitua um pólo de ligação ao invés de uma fronteira natural. Estão de parabéns mas, temos que ir mais longe. É um desperdício, não aproveitar de forma racional os terrenos marginais do rio e, se possível, restituir-lhe aqueles que lhe pertencem bem como incrementar e promover a cultura dos bivalves: berbigões, amêijoas, lingueirões, ostras e outros que foram desde tempos imemoriais uma grande fonte de riqueza para a região. Estas culturas não comprometem o ecossistema e constituem um contributo efectivo para o, tão apregoado, desenvolvimento sustentado. Estes sistemas lagunares deviam ser directamente explorados por quem neles trabalha o que constituiria um factor de fixação das comunidades vizinhas e que deviam contar com o apoio técnico e científico da valência de Biologia Marinha da Universidade do Algarve. Assim se promovia um diálogo entre actividades económicas locais e os seus profissionais por um lado (o mundo real), e a instituição académica numa relação de onde sairiam mais enriquecidos todos os intervenientes.
Afinal, só faz falta usar o Bom Senso. O resto, já cá temos... naturalmente.
~José Carlos Vasques; in https://sites.google.com/site/cemallagos/home
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